Quase toda a microrregião de Canoinhas faz parte da região conhecida como Vale do Contestado, cuja área foi disputada pelo Paraná e Santa Catarina no fim do século XIX e início do século XX. A região ganhou projeção nacional por conta da Guerra do Contestado. O território do planalto norte catarinense destacou-se historicamente também pelas riquezas naturais, especialmente pelas densas florestas de Araucárias. Essa riqueza atraiu o capital estrangeiro no início do século XX, quando na região se instalou a maior serraria do continente sul-americano. A Southern Brazil Lumber and Colonization Company operou durante décadas, até sua estatização, em 1940, e posterior desativação, em meados da década de 1950. Além de um histórico de extrativismo das florestas nativas, em fins da década de 1960, a introdução de espécies exóticas na região contribuiu para a permanência do processo extrativista, perpetuando-se mediante o reflorestamento de milhares de hectares com árvores pinus elliottii (uma espécie de pinheiro). As áreas reflorestadas visavam atender, principalmente, a demanda por matéria-prima das indústrias de papel e celulose, o que por muitos anos impossibilitou a utilização dessas áreas em prol do desenvolvimento da agricultura. No entanto, a partir dos anos 1970 e 1980, a região passou a investir intensivamente em produção de grãos, aproveitando as áreas planas favoráveis à mecanização. Foi nesse contexto que se criou a Coopercanoinhas, em 1966. Durante muitos anos, ela deu apoio aos agricultores da região. No entanto, ainda na década de 1990, passou a ter dificuldades. No fim de 2002, conselheiros da cooperativa visitaram a direção da Alfa em Chapecó e ofereceram as instalações da cooperativa para locação. Alguns diretores foram lá visitar o espaço e a Alfa decidiu aproveitar a oportunidade, assumindo aquela estrutura. Em fevereiro de 2003, Sérgio Giacomelli foi enviado para o Planalto Norte, juntamente com nove gerentes da Alfa, para assumir silos e algumas filiais alugadas da Coopercanoinhas. Começava um trabalho de uma década. Giacomelli relembra: “A situação da cooperativa era tão ruim quando eu cheguei lá que começou a dar problemas nas famílias. Sócios que assinaram compromisso com a cooperativa e depois ficaram ameaçados de perder a propriedade, tinham que enfrentar a mulher e os filhos, que condenavam o pai. Sócios faleceram com as terras empenhadas e não tinham como fazer a escritura para os filhos.”
A chegada dos representantes da Alfa no Planalto Norte não foi, num primeiro momento, muito bem vista, pois os agricultores estavam desapontados com os investimentos feitos anteriormente e a quantidade de dívidas que contraíram. Nesse cenário, Sérgio Giacomelli e Edilamar Vons realizavam reuniões nas comunidades do interior para falar sobre a cooperativa. Edilamar relembra: “A gente levava linguicinha, pão e refrigerante para um lanche com os produtores e falávamos da cooperativa: quem era a Alfa, sua história, seu funcionamento, nosso modo de trabalhar, quais eram os benefícios. Tinha produtores que não nos recebiam, não queriam nem ouvir falar de cooperativa. O diálogo e a paciência foram grandes. Visitamos alguns produtores com a terra hipotecada que estavam desesperados e, chorando, nos diziam: ‘Tudo que eu tinha para os meus filhos e o banco vai me tomar.’ Numa reunião, das muitas que fizemos, um associado deu a ideia de a Cota-Capital deles se transformar no fundo para pagar as dívidas. Assim foi criado o Funorte. O pessoal que foi para lá vestiu a camisa. O CDA de lá ajudou a mostrar que a cooperativa tinha ido para ficar e ajudar no desenvolvimento da região. Hoje é o maior evento local. O Planalto Norte era um gigante adormecido.” Sobre o sucesso do trabalho coletivo, essência do ato de
cooperar, Leodonis Kohler, de Canoinhas, exalta o modo como Giacomelli e Vons reorganizaram o cooperativismo naquela região: “Eu fui entregando a produção para a Coopercanoinhas até o fim, porque queria ajudar na recuperação. A diretoria garantia que não iria à falência. Eu era avalista da cooperativa com as minhas terras, e um dia o banco veio aqui para cobrar a dívida; depois veio um oficial de justiça para convocar para uma audiência no fórum. Eu fiquei desesperado. Então, o Sérgio Giacomelli veio aqui para falar da Alfa, mas eu não quis nem recebê-lo; ele voltou mais três vezes. Um dia, deixou aqui um contrato de sócio provisório; sem pressionar e com muito jeitinho. Eu ainda não confiei. Então eles nos levaram a Chapecó para conhecer a Alfa, aí sim eu acreditei que iria dar certo. Começamos então o processo de incorporação. Por fim, a Alfa fez um financiamento e pagou todas as nossas contas. O trabalho do Sérgio e do Edilamar foi muito especial.” O depoimento de Milton Tomasini, de Alto da Serra, Chapecó, enfatiza como a seriedade, a transparência e o trabalho
com foco na humanização são elementos fundamentais para o sucesso do cooperativismo e sua expansão. Ele argumenta que “[…] o processo de incorporação de novas cooperativas sempre gera bastante discussão. Porém, foram as incorporações que permitiram a Alfa este crescimento. Eu conheço a cooperativa andando pra frente desde que me associei, lá na juventude. Em outras regiões, como Canoinhas, por exemplo, pessoas da minha idade passaram por três cooperativas e todas faliram. Num caso destes, fica realmente difícil apostar tudo na cooperação. Mas, com a chegada da Alfa, os agricultores foram ganhando tranquilidade e segurança para produzir.” O engajamento ou, nas palavras de Arilton Wzorek, de Felipe Schmidt, Canoinhas, “atuar como cooperativa” é essencial para o êxito coletivo. Ele relembra: “Só ficamos sabendo da real situação da Canoinhas quando a Alfa começou a buscar a informações para fazer a incorporação. Eu passei a participar das reuniões para entender como fariam isso. Com a chegada da Alfa, tudo ficou diferente: nos associamos e passamos a atuar com ela. Por incentivo do Sérgio Giacomelli, em 2013, me elegi conselheiro.”
Em março do mesmo ano, a Cooperalfa incorporou a Coopercanoinhas. A defesa do sistema cooperativista como melhor opção de organização da produção para o produtor também é de Leonardo Lerner, de Matos Costa: “Fui associado de três cooperativas; sempre achei que era o melhor para o agricultor. Eu entregava porco para a Canoinhas e foi ruim, perdi muito dinheiro. Paguei dívidas que não eram minhas. Mas continuei acreditando no cooperativismo, porque quem faz o sistema são as pessoas, a união é sempre o melhor caminho. Se não fosse a Alfa entrar aqui na região em 2003, eu estaria pagando contas até 2017. A Alfa foi a minha salvação. Lá tem pessoas sérias, que respeitam o agricultor.” A crença no cooperativismo transformador daqueles que renunciaram ao benefício individual em prol do sistema mostrou-se verdadeira; hoje, toda a região vem colhendo os benefícios da cooperação. Paulo Ossovski, de Bela Vista do Toldo, reforça essa proposição ao falar da experiência de sua família: “Quando o pai estava em risco de perder terra, não dormiu por muitas noites. Apesar dos problemas, ele acreditou que poderiam dar um jeito na situação. Aos poucos, com intenso trabalho de produtores daqui e apoio da Alfa, a confiança no cooperativismo foi retomada e hoje estamos tranquilos. Sou sócio e meu filho Juliano também é, porque sabemos que a força coletiva é transformadora. O pai cumpriu sua missão, e temos orgulho disso!” A família de João Leonardo Milchevski, de Felipe Schmidt, Canoinhas, perdeu muito com a Coopercanoinhas. Além de avalistas, tinham produto entregue que não foi pago. Porém, a essência do cooperativismo passou de pai para filho, e a família hoje é uma das mais numerosas em associados da Cooperalfa. Além de João e a esposa, Vanda, são associados três dos quatro filhos, dois genros, uma nora e um neto. Eles oferecem a propriedade para realização de ‘Dias de Campo’ e participam de todas as atividades de formação da cooperativa. A propriedade, tocada em conjunto pelos irmãos e cunhados, tem hoje 350 hectares produzindo soja, milho, trigo, feijão, cebola e erva-mate.
ESTRATÉGIA FUNORTE: Uma das estratégias dos cooperados e da equipe da Alfa que passou a atuar no Planalto Norte foi criar o Funorte, um fundo para pagar as dívidas da Coopercanoinhas. Ele foi formado por 1% do movimento de todos os novos sócios da Alfa oriundos da Copercanoinhas (compra e venda) e mais 1% da sobra do balanço do Planalto Norte. Com o fundo, negociaram-se as dívidas, permitindo que a chama da cooperação se mantivesse acesa.